quarta-feira, 25 de maio de 2011

Intimidades

Hoje, chego ao nosso cantinho, vindo de um velório. É verdade! Hoje, vou-vos dar um pouco da minha intimidade, por isso, só continuem se tiverem coragem.
Deixando a ironia de parte, há algo na morte que me "assusta", o facto de a encarar já quase como algo tão vulgar, quanto a vida.
Um breve resumo, para chegar onde quero. O marido de uma amiga minha faleceu há uns dias num corredor de um Hospital Público. Deram por ele, porque já o tinham chamado várias vezes e nunca tinha respondido. Estava numa maca num corredor com os papéis de inscrição em cima, por baixo apenas o corpo já sem vida.
Quase que consigo adivinhar o que estão a pensar, mas nem é aí que quero chegar.
Nunca iria mencionar aqui o facto de ter lá ido dar apoio a uma amiga, se é que se pode dar algum apoio numa situação destas, mas pelo menos comparecer por breves minutos numa altura, de enorme dificuldade para ela. Uma sensação que, senão todos, quase todos já sentimos. Apenas o menciono, porque a dado momento, apareceu na sala do velório o filho de ambos. Uma criança dos seus 12/13 anos, não sei precisamente quantos, mas já praticamente um pré-adolescente, que não me tendo visto logo de entrada, e ostentando o ar de quem está a sofrer por dentro, mas quer demonstrar que um homem não chora, que é forte e já é um homem, dei-lhe uma pequena pancada na cabeça e estendi a mão para o cumprimentar como se cumprimenta um amigo já homem. Eis que dei por mim, com ele agarrado a mim, querendo soltar as lágrimas que teimava em conter dentro do saco lacrimal, abraçado e apenas dizendo "obrigado". Um obrigado pela presença, como se isso fosse necessário.
Mas isto, tocou-me, comoveu-me. E dei por mim, no momento, e depois a caminho de casa a perguntar o porquê. Sendo agnóstico, não posso colocar a velha questão de "porque Deus permite que uma criança tão nova fique sem pai. Mas a minha pergunta ainda me continua a martelar na cabeça, como um eco num desfiadeiro que teima em não terminar.
Foi num hospital público que este morreu. Num corredor. Mas desengane-se quem já se apressa a apontar dedos numa só direcção. Resumindo muitíssimo o caso, ele tinha sido encaminhado de uma clínica privada, e daquelas bem caras, onde recuperava de uma doença grave, mas já em boa fase de recuperação. Apenas se tinha dirigido ao hospital, por um eczema na pele, uma possível alergia. Só que foi encaminhado pela clínica, sózinho, apenas com os Bombeiros que o deixaram no Hospital, à guarda deste, mas sem ter levado, como devia da tal clínica, um acompanhante.
Acabou por morrer numa maca no corredor do mesmo Hospital. E o porquê continua a ecoar-me na cabeça.
É verdade que temos um Serviço Nacional de Saúde miserável, onde os cortes orçamentais são vergonhosos e põem em risco a vida das próprias pessoas. A culpa destes cortes, tem sido de sucessivos Governos que nos têm extorquido até à medula, para viverem de tachos para eles e os amigos, que mais parece uma cozinha de um Hotel de Luxo. Há tachos de todas as medidas, maneiras e feitios. É também verdade, que no Privado, as coisas não se passam muito melhor. O objectivo é lucrar, e lucrar, e lucrar. Não interessam os Seres, a estes sobrepõem-se os valores, os lucros. Mas a tudo isto acresce a culpa de todos, ou praticamente todos, onde me inclúo.
A Sociedade precisa ser reformulada, perdeu o ânimo, a vontade de ajudar o próximo, o interesse pela Vida alheia. A mentalidade hoje em dia, é fazer-se o mínimo possível, porque se ganhamos um mísero ordenado não somos obrigados a mais, e caímos no ciclo vicioso, de que uns não trabalham para não "encher o cú a gulosos", e os gulosos não podem pagar mais, não só pela ganância que têm, mas porque a produção não é suficiente que permita um melhor pagamento. Todos os valores da Sociedade, ou pelo menos, grande parte deles estão obsoletos, não existem. É urgente rever esses valores. É urgente, sim, apurar responsabilidades, mas é também urgente erguermo-nos das cinzas e começarmos a fazer algo pelo nosso País, ou seja, por nós próprios. Nós não precisamos de Sócrates, Passos, Portas, Jerónimos, Louçãs, ou outros, se não formos capazes de nós próprios dar resposta dia a dia a novos desafios, em ajudar o próximo.
Um filme, que assisti há dias, baseava-se, muito resumidamente, em que cada um tinha de ajudar três pessoas, e cada um desses três deveria ajudar outros três, não podendo reverter no segundo o favor ao primeiro. Talvez possa ser um ponto de partida. Talvez não seja preciso mais vez nenhuma, uma criança de tenra idade se agarrar a qualquer um de nós, abraçando e chorando e agradecer a nossa presença. Talvez possamos assim evitar que mais crianças fiquem sem pais, que mais pais fiquem sem filhos. Que os velhos deixem de ser abandonados e tratados como lixo, que nos possamos afirmar como Seres Humanos. Até lá, aquele abraço, selou um compromisso que tenho tentado seguir na vida, nem sempre com sucesso. Esse compromisso é de não o voltar a cara para o lado, a de tentar fazer a minha parte e acusar os que não o fazem. Aquele abraço deu-me uma lição, e deveria dar uma lição à Humanidade.
Bem-hajam, a semana vai quase a meio e o calor aperta.

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